Hoje trago no blog um tema bastante interessante e que desperta muita curiosidade na comunidade Karateca do Brasil e no mundo. Vamos falar sobre treinar Karate-do no Japão, e para isso trago como convidado o Sensei Daniel Veríssimo Pinto (Pinto San) natural de Recife/PE, Brasil, que começou a treinar Karate aos 16 anos de idade, ele que há cerca de 12 anos atrás resolveu ir morar no Japão, onde reside até hoje.
Sensei Daniel que mantem o site pintokaratedojo, sempre com conteúdo atualizado, além de apresentar a rádio Karate que cresce cada vez mais devido a qualidade de seu trabalho em prol da divulgação do Karate-do. Todas as semanas e normalmente aos domingos traz muitos temas para discussão além de grandes mestres e convidados.
Em nossa entrevista o sensei Daniel me contou que sempre manteve desde muito cedo o sonho de ir para o Japão em uma busca afim de desbravar a cultura japonesa e posteriormente de treinar Karate-do.
Ao longo da entrevista fui conduzido a compreender como é o treinamento e a rotina frenética do povo japonês e as possibilidades de treinar Karate-do no Japão, partindo desde as questões de socialização e passando por fatores culturais e as experiências que esse longo período trouxe ao sensei Daniel.
Jefferson: Sensei há quanto tempo você treina Karate e como surgiu a ideia de ir para o Japão?
Sensei Daniel Veríssimo Pinto: Treino karate há aproximadamente 23 anos. Comecei com 16 anos de idade por incentivo de amigos de infância e o meu objetivo com os treinos sempre foi a defesa pessoal. Desde meus 8 anos de idade sempre tive um sonho de conhecer o Japão. Sempre fui apaixonado pela história, mitologia e costumes desse país. Minha esposa é filha de japonês, e depois de 1 ano de casados decidimos vir morar no Japão. No meu caso com o objetivo de treinar e estudar karate no seu berço.
Jefferson: Além dos fatores culturais como você descreve o povo japonês e particularmente o karateca?
Sensei Daniel Veríssimo Pinto: O povo japonês é conhecido por sua disciplina e pensamento coletivo, além do seu vício em trabalho, o que chega a ser um problema para o País, por incrível que pareça. São condicionados desde pequenos a pensarem de uma forma homogênea, particularmente não gosto muito disso, mas podemos aprender muita coisa boa observando-os.
Os karateka não são diferentes, sempre disciplinados e focados durante o treino, mas a forma de pensar chega a atrapalhar um pouco o desenvolvimento do karate como arte marcial (goshijutsu). É claro que outros fatores também influenciam, tal como a sociedade pacífica. Lembro-me que uma vez Ubusuki sensei, aluno direto de Gichin Funakoshi sensei e um dos meus professores no Honbu dojo da Karate No Michi, falou durante um treino que o karate japonês perdeu um pouco da sua essência como arte marcial devido à segurança do país. O Japão é um país tranquilo, onde ainda posso andar numa rua escura às 00:00h a noite escutando música no meu smartphone sem me preocupar com assalto. Diferente de nós brasileiros que somos acostumados com a violência do dia a dia, e que sempre buscamos uma forma de nos proteger.
Jefferson: Como o “estrangeiro” deve se comportar no antes, durante e pós sessão de treinamento em um dojo tradicionalmente japonês?
Sensei Daniel Veríssimo Pinto: Como um karateka japonês, ainda mais se você estiver treinando em um dojo de alguma cidade pequena, os mais tradicionais. Obedecer ao Reigi Saho (normas e etiquetas do dojo), o que inclui respeitar os mais velhos (senpai), manter-se sempre atento as explicações, não conversar paralelamente, respeitar as regras cerimoniais e servir de exemplo no caso de ser graduado.
Jefferson: Como é a relação kohai, senpai, sensei e shihan no Japão?
Sensei Daniel Veríssimo Pinto: A relação senpai/Kohai é comum não somente nos dojo, mas em toda a sociedade japonesa. É mais uma das coisas que o karate de Okinawa tomou emprestado para se transformar em karate japonês.
É uma relação como a de irmãos, o mais novo sempre obedecendo ao mais velho, e esse por sua parte instruindo e auxiliando o seu kohai na melhor forma. Em certos casos, isso se torna meio que uma estrutura militar e acaba dando brechas para alguns senpai, não muito educados, usar esse “poder” a seu favor e causando abusos, que aliás é comum no Japão.
No caso de sensei e Shihan, eu não conheço muito bem pois no meu estilo de karate (Shotokan) não usamos os títulos de shihan ou kyoshi, exceto alguns karateka oriundos de outros estilos, onde é comum o uso desses títulos. Mas acredito que a relação não seja muito diferente da que existe entre senpai e kohai.
Jefferson: Existe preconceito em relação á brasileiro? Se sim, consegue nos contar um episódio que pode ver ou quem sabe presenciar?
Sensei Daniel Veríssimo Pinto: Sim, existe preconceito por parte dos japoneses, não somente com os brasileiros, mas como todos os estrangeiros, até mesmo com os naturalizados ou com dupla cidadania. Mas isso também não é algo somente dos japoneses, acho que em todos os países existem pessoas preconceituosas.
No caso do Japão, é histórico, uma herança que alguns japoneses insistem em manter. Já vi muitos casos, pois moro em uma das maiores comunidades de Brasileiros no Japão. Alguns por culpa dos japoneses, outros, por culpa do comportamento de alguns brasileiros, mas não vale à pena citar já que acredito que não é esse o objetivo desse site.
Jefferson: Em sua viagem a Okinawa poderia nos contar como foi a emoção de ver peças e arquivos que remetem as origens do karate-do?
Sensei Daniel Veríssimo Pinto: Eu era uma criança na Disneylândia. Meu sonho de conhecer Okinawa começou quando tinha 12 anos de idade ao assistir Karate Kid 2 na TV e prometi a mim mesmo que iria conhecer o berço do karate. A emoção começou desde que eu vi as ilhas que formam o antigo reino de Ryukyu pela janela do avião. Okinawa transpira karate em todos os lugares. É comum você encontrar algum vendedor de loja ou atendente que treina ou treinou karate. Placas com desenhos de karateka, indicando locais onde você pode treinar ou visitar, dojo em todos os bairros, é maravilhoso. O Museu do karate é um sonho para quem gosta da história da nossa arte. O prédio é lindo e as “relíquias “do museu é de fazer você chorar de emoção. Livros raros. Armas que foram usadas por mestres há 100 anos atrás, fotos históricas, uma maravilha. Me tornei amigo de alguns funcionários do Museu, e consegui mais informações. Infelizmente não pude filmar dentro por que não é permitido. A maioria das peças são de acervo particular das famílias dos mestres, e eles proíbem. Mas o pouco que deu para filmar está nos últimos vlogs no meu site.
Tive a oportunidade de treinar kobudo com um senhor de quase 90 anos de idade que contava histórias sobre o karate e kobudo nas pausas do treino, Yogi sensei (9º dan), um verdadeiro “Sr. Miyagi”. Fiz amigos, conheci muitos estrangeiros que dão aulas e tem dojo em Okinawa. Aquilo é um paraíso!
Por isso, decidi ir periodicamente (3 vezes ao ano) para treinar kobudo, karate e estudar mais a cultura local e sua influência no karate.
Uma coisa interessante é que Okinawa não parece o Japão, já viajei por muitos lugares do arquipélago e, praticamente, é a mesma coisa em todo o País, mas lá parecia que eu estava em outro país, tudo é diferente. Culturalmente, eles têm laços e traços muitos fortes com a China.
Se você quer mesmo ir para um lugar onde karate está em tudo, esse lugar é Okinawa.
Jefferson: Você pretende retornar ao Brasil? E na sua opinião, na hipótese de um retorno, o que traria de mais precioso na bagagem como herança cultural e marcial?
Sensei Daniel Veríssimo Pinto: Não pretendo voltar a morar no Brasil. Sou inquieto e gosto de me movimentar. Meus planos é morar em outro País ou possivelmente em Okinawa, mas isso é para um futuro distante.
Devo ir ao Brasil para ministrar alguns cursos de karate pela organização que faço parte (KWF) e por insistência de meus amigos no Brasil.
Acredito que o mais precioso que levaria do Japão para o Brasil seria minha experiência em lutar contra japoneses em competições, pois fui atleta no Japão por 8 anos dos quais 2 foram pela seleção do Estado de Shizuoka. E para os não-atletas, o mais precioso acredito que seria o meu conhecimento vivido, digo, o convívio na sociedade japonesa no dia a dia, trabalhando e estudando junto com eles e como isso influenciou e influencia dentro do karate japonês. Existem muitas lacunas nos treinos e entendimento do karate por parte dos estrangeiros e só são preenchidas depois que você passa a conhecer e conviver dentro da sociedade que o originou.
Jefferson: Como surgiu a ideia de propagar o Karate-do através das mídias sociais e da Rádio Karate?
Sensei Daniel Veríssimo Pinto: Sempre gostei de escrever, ainda mais sobre karate. Meu primeiro site foi ainda na época da internet discada no antigo Geocite.
No Japão, o acesso fácil à internet banda larga deu mais possibilidade de criar conteúdo.
Em 2007 minha esposa me incentivou a criar um site pessoal para colocar minhas experiências e ideias sobre o karate. Criei meu primeiro site no blog spot, sem muita pretensão e comecei a postar minhas experiências com o karate japonês. No começo do Youtube, ainda em 2007, surgiram alguns projetos próprios para um canal sobre karate, mas desisti por que ainda não tinha material suficiente para isso.
Mas em 2008, depois de enviar um vídeo para um kohai meu de Pernambuco, vi que poderia ajudar outras pessoas com esse material e resolvi compartilhar. Na época os vídeos sobre karate no Youtube era partes de DVD ou VHS de competições ou treinamentos. Eu me orgulho de dizer que estou entre os pioneiros na internet com esse material próprio.
A ideia foi amadurecendo e vieram os podcast, que foi criado depois de um encontro de blogueiros no Japão em 2010 e de uma entrevista para um programa de TV do Brasil, com filial aqui no Japão.
Hoje, o site possui outras mídias sociais, como o Vlog ( programa no youtube), página no facebook, Instagram, WhatsApp, além de postagens de meus sócio/ colaboradores ( Tiago Frosi, Roberto Sant´anna e José Pedro Leal) , e nosso estagiário Giovani em nosso site. Todos karatekas.
Jefferson: Quais são os projetos para os próximos anos em relação ao Karate-do?
Sensei Daniel Veríssimo Pinto: Me empenhar mais no desenvolvimento do Karate No Michi na minha região. Sou aluno e representante de Yahara sensei (8º Dan) e de sua organização (KWF) aqui na minha cidade e Estado. Pretendo me dedicar mais a isso.
Além disso, estudar mais o karate de Okinawa e Kobudo, através das periódicas viagens que estou fazendo para lá, treinando sob a tutela de Yogi sensei (9º dan de kobudo Renseikai) e Onaga sensei (8º Dan shito ryu). E mais uma viagem à China para estudar as raízes do karate de Okinawa através de alguns estilos de kung Fu. Morei em Beijing por 3 meses em 2015, onde dei algumas aulas de karate, mas não tive muito tempo para conhecer bem as artes marciais chinesas. Pretendo fazer isso em breve.
Ainda pretendo realizar mais um sonho, treinar Muay Thai na Tailândia. Existem vários ginásios de MT em que você pode ficar hospedado para treinar 2 a 4 horas por dia, além de ter a oportunidade de conhecer a cultura local, o que na minha opinião é essencial para entender melhor qualquer arte marcial que você venha a treinar. Conhecer a cultura japonesa e de Okinawa me ajudou muito e ainda me ajuda, a entender o karate.
Treinar Karate-do já é um grande desafio, o mais importante não deve ser somente o local, devemos nutrir ter uma motivação própria, seja em um Dojo local ou até mesmo dentro de nossa própria residência. O Karate-do não está em um único local.
No Japão sim existe diferenças culturais relevantes, porém grande parte de nós Karatecas herdamos algumas dessas características que nos fazem mais fortes seja fisicamente e mentalmente.
Aquele que busca novas experiências de vida deveria sim experimentar essa imersão na cultura Japonesa, porém nunca deverá se esquecer que o Karate-do quando é bom está dentro de cada um.
Buscar dentro de si próprio o seu melhor Karate, esse deve ser o objetivo principal, certamente o lugar será apenas um detalhe. Inspire-se no exemplo das cerejeiras japonesas, valorize seu treinamento de Karate no dia a dia pense como se fosse um momento único, a certeza é que se você encarar o Karate-do com amor e dedicação tudo será melhor amanhã.
Sensei Daniel Veríssimo Pinto sabendo da grande dificuldade e falta de tempo gentilmente respondeu nossas perguntas, enriquecendo o contexto da matéria com suas experiências.
Deixo aqui a meu humilde e sincero agradecimento ao Sensei Daniel.
E claro faço um convite para os amigos Karatecas ouvirem a Rádio Karate e acessarem o site pintokaratedojo.
Eu...Não perco um programa.
SUCESSO SENSEI !!!
OSU!
Jefferson Oliveira Professor
de Educação Física e estudante Karate-do Shotokan
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