quinta-feira, 6 de agosto de 2020

RAIO-X da WTKO, o mestre Stan Schmidt e suas facetas e uma história com o mestre Taketo Okuda

Mestre Stan Schmidt á esquerda e Sensei Roberto Sant Anna á direita

Olá Karatecas, trago aqui a terceira entrevista especial do PROJETO RAIO-X DO KARATE NO BRASIL. 

E hoje vamos conhecer um pouco da WTKO, e das histórias especiais narradas pelo Sensei Roberto Sant Anna que é representante oficial desta escola no Brasil. 

Atualmente o que há, é esta barreira invisível, denominado como Covid-19, e que nos distancia. A nosso favor temos outras ferramentas, as tecnológicas, que são acessórios de comunicação, mediante ao problema do distanciamento social e que em alguns casos até nos aproxima. 

Hoje além do tema alvo que é conhecer a WTKO, pedirei licença para você leitor para falarmos sobre duas lendárias figuras do Karate: 

O mestre Stan Schmidt e o mestre Taketo Okuda. O primeiro não mais entre nós e o segundo uma figura lendária do Karate no Brasil. 

E para falarmos sobre todos esses assuntos preciso recorrer ao sensei Roberto Sant Anna, uma figura para alguns polêmica e para outros espontâneo. 

Atenho-me a dizer que foi um prazer e uma grata surpresa falar com ele e trazer a vocês mais alguns trechos da história do Karate no Brasil. 


APRESENTAÇÃO DO CONVIDADO  

Sensei Roberto Sant Anna 


6º Dan de Karate estilo Shotokan 
Representante da WTKO no Brasil e grande estudioso do Karate no Brasil e no mundo. 

Participou de cursos e seminários em todo mundo, tendo como importante marca 42 viagens a África do Sul.    



Vamos a nossa entrevista... 


Jefferson Oliveira: Sensei conte-nos em síntese um pouco de sua história inicial com o Karate. 
Roberto Sant Anna: Comecei em 1975 no Karate, e foi logo após treinar um pouco de Judô, com um professor chamado Osawa, ele que dava aulas de Judô e também de Karate. Em seguida conheci Okuyama Sensei que foi um dos primeiros alunos do Sensei Okuda. 
Quando Okuyama veio para Ribeirão Preto senti logo de cara que o Karate dele era mais forte. Fui com ele de 1979 até 1984, e foi quando eu comecei a treinar com sensei Okuda todas as sexta-feira, e isso logo após meu exame de shodan, e seguimos juntos até 1994. Desliguei-me por problemas pessoais. 
Foi quando acabei me filiando ao Sensei Stan Schmidt da África do Sul onde permaneci até o ano passado, que foi o ano de seu falecimento. Passei a ir todos os anos a África do Sul, e inclusive tiveram anos que cheguei a ir duas vezes. 
Senti no Sensei Stan, algo diferente, e era na relação pessoal, ele era muito diferente de dos professores japonês, ele compartilhava o conhecimento, eu sentia que não existia assunto proibido para falarmos. Além disso, o sensei sempre foi uma pessoa que treinou e estudou outras artes marciais, realmente tínhamos algo em comum, penso ser um encontro de almas. 


Jefferson Oliveira: Qual a organização você representa aqui no Brasil? Como surgiu a oportunidade de representá-la? 
Roberto Sant Anna: Hoje represento a WTKO que é liderada por Sensei Richard Amos, com sede em Nova York EUA, e foi uma indicação do próprio sensei Stan Schmidt. 
Posso dizer que a WTKO, não oficialmente, é um braço da JKA do Japão, pois sensei Richard Amos foi um dos poucos ocidentais a concluir o curso de Kenshusei na JKA, embora tenha se desligado da escola pouco depois. Além disso, temos a diretoria técnica com o Sensei Steve Ubel que foi professor de Richard Amos, sobre o Sensei Steve Ubel tenho que dizer que foi o primeiro aluno ocidental de Nakayama Sensei na Hoitsugan, esteve com ele por quatro anos, ele chegou a escrever um livro sobre anotações de Nakayama, acredito que ele tenha o maior acervo desses conteúdos no mundo, além de um nível técnico genial. 

Nota: O curso Kenshusei foi instituído em consonância com o ministério de cultura e educação do Japão a pedido do Sensei Funakoshi, organizado por Nakayama, Okazaki e Nishiyama no intuito de preparar instrutores de elite para difusão do Karate no Japão e mundo a fora nesta ocasião pela NKK. O curso tinha duração de 1 ano para Full Time ou 2 anos Half time para quem não podia treinar o período todo. Podemos dizer que ali se forjaram grandes mestres de Karate devido ao nível de exigência, na época pensava-se nos desafios que surgiriam para testar a eficiência do karate perante as outras lutas nativas em outros países. 


Jefferson Oliveira: Como está organizada a WTKO no Brasil? Para quem tem o interesse como pode fazer parte? 
Roberto Sant Anna: A WTKO é uma escola de Karate Shotokan onde trocamos experiências em cursos, seminários, treinamentos especiais, e não necessariamente há competições. 
Somos um grupo menor aqui no Brasil, porém já estamos expandindo, estamos em alguns estados. Para fazer parte pode me procurar pessoalmente que estarei estudando caso a caso. 


Jefferson Oliveira: Passei a conhecer melhor sobre uma lenda do Karate justamente ao ouvir algumas de suas entrevistas. Afinal quem é o mestre Stan Schmidt? E como você o conheceu? 
Roberto Sant Anna: Em 1984 eu comprei um livro escrito por sensei Stan Schmidt, um belo dia apareceu o Ícaro me dizendo sobre um filme que o sensei estava estrelando, e era um filme de Hollywood, ao ver esse filme me impressionei. 
Resolvi escrever uma carta direcionada ao sensei Stan Schmidt na JKA da África do Sul, e aguardei ansioso por essa resposta, e depois de dois meses aproximadamente, ao chegar à academia vejo um envelope picado no chão pelo meu cachorro, logo pensei: Tomara não seja do Sensei Stan Schmidt pois eu poderia perder alguma informação, e realmente era, tive que remontar a carta para poder ler. 
Nesta carta ele relata que foi colega do sensei Okuda no Kenshusei da JKA, e me tratou super bem, inclusive me convidando para ir à África do Sul, ele dizia que eu seria seu hóspede. Foi quando eu fui escalado para disputar o campeonato mundial. Pensei que poderia aproveitar esta oportunidade. Ao chegar ele me levou direto para seu Dojo a Escola de Karate Stan Schmidt. Posso dizer que foi o maior dojo que já vi na vida. 

Carta recebida do Mestre Stan Schmidt
Quanto ao Sensei Stan posso dizer que era uma pessoa muito generosa, bondosa, adorado na África do Sul, um líder de verdade. 
Vou relatar até uma história aqui. Saímos pela África do Sul, eu e ele de carro, e um guarda rodoviário nos parou, espantosamente viu que era o Sensei Stan, ele só dizia com muita empolgação: Mestre Stan Schmidt! 
O sensei fazia questão de dizer: Mestre que nada, então ele perguntou ao rapaz se treinava Karate, o mesmo disse que treinava Kyokushin, isso devido a sua condição financeira, por que Shotokan era muito caro e o dinheiro não dava. Espantosamente o mestre disse que Kyokushin era o mais forte de todos os estilos de Karate, mostrando assim uma gentileza sublime. 

Conversávamos de madrugada sobre as histórias de Karate no Brasil, e ele me contava sobre suas lutas com grandes mestres da JKA. 
O sensei Stan era considerado no mesmo nível de Shirai, Enoeda, e apesar disso ele sempre foi muito humilde. 
No dia de sua morte havia um pedido especial para mim para que dentre as seis pessoas que compunha sua família e alunos antigos, eu fosse um dos que segurasse a alça de seu caixão, logo no dia seguinte a sua morte, fui às pressas a fim de cumprir seu desejo. 


Jefferson Oliveira: Qual a história mais inusitada você viveu na prática com o mestre Taketo Okuda? 
Roberto Sant Anna: Teve um dia que fui a São Paulo, buscar um Kimono para o Sensei Okuda, da marca Hachiman a qual pertencia ao Sensei Johannes, fui pegar esse kimono para presentear o sensei Okuda pois sabia que ele gostava muito desta marca. Foi quando Johannes me pediu para ir ao treino, eu logo disse que o Sensei Okuda era muito sistemático. 
Então eu disse: não posso convidar você porque eu sou um convidado por lá. 
Ao subir as escadas era comum subirmos já com as pernas trêmulas. Com um olhar fulminante Sensei Okuda me olhou e ali percebi que eu tinha um grande problema. 
Ele me disse: Quem mandou trazer amigo? É aluno de outro professor e que seria falta de respeito ele treinar ali e o professor dele poderia ficar chateado. 
O sensei Okuda chamou frente a frente logo o Johannes, esse treino foi muito forte com agachamento e com a bola de medicine Ball, eram centenas de repetições com cada perna. 

Sensei Roberto á esq e Sensei Taketo Okuda á dir

Vale uma nota: O Sensei Okuda só treinava frente a frente com o Sensei Carlão ou Sensei Chicão e por isso o meu espanto. 
Acabou o treino e sensei Okuda disse que depois fosse a mesa dele para conversar. 
Sensei Okuda me disse: Se você trouxer mais alguém aqui na minha academia vou matar você! Você nunca mais traga ninguém aqui sem minha permissão. 
Eu sai triste e chateado, mais tive que absorver isso. Passado algum tempo ele chegou até a mim e me perguntou: 
Quanto tempo demorou para você entrar no meu coração? Você quer que eu aceite outra pessoa em meu coração na mesma hora, isso é impossível. 
E foi uma das maiores aulas que tive na vida. Sensei Okuda era o mestre da gente, meu sensei mesmo foi Okuyama, eu treinava aos finais de semana com Okuda. 
Sensei Okuda nunca me cobrou nada pelo treinamento, e eu sempre tentei pagar, porém, ele se recusava sempre. 
O sensei Okuda tinha como virtude seriedade e atitude dele em relação ao Budo, ele parece um samurai mesmo, na essência, ele tem algo que nunca senti em ninguém, uma energia diferente. 


Jefferson Oliveira: Ouvi ainda sobre o encontro de Sensei Taketo Okuda com Sensei Stan Schmidt na sede da JKA, acho que nossos telespectadores gostariam de ouvir novamente. O senhor poderia nos contar essa história? 
Roberto Sant Anna: O Sensei Stan Schmidt sempre foi autodidata, ele era judoca e um campeonato de Judô acabou quebrando a perna, quando ele recebeu de seu professor de Judô, dois livros de Karate e começou a estudar. Incrivelmente seis meses depois ele começou a ensinar Karate e já tinha cerca de 80 alunos. Nesse momento o dono da academia pediu que ele fosse ao Japão para se aperfeiçoar e aprender o Karate corretamente. 
Chegando ao Japão, logo o sensei já com o livro debaixo do braço, e cito era o Livro do Sensei Nishiyama, foi a JKA, e ao bater na porta, quem o atendeu foi justamente o mestre Taketo Okuda, e nesse momento havia um impasse: um falava inglês e outro japonês, e um ficou empurrando a porta, e o outro segurando. Quando sensei Stan empurrou a porta, foi logo entrando, e foi quando sensei Nakayama veio e pediu que ele aguardasse ali sentado, que depois ele conversaria com ele, por que estava ocorrendo um treino especial. 
Acabou o treino, o Sensei Nakayama veio até ele, e perguntou o que ele desejava, e com quem ele treinava Karate, logo o sensei Stan mostrou o livro de Nishiyama e disse que veio até ali para treinar Karate. O mestre Nakayama disse para que sensei Stan que voltasse no dia seguinte para treinar junto com os demais estrangeiros, e o sensei Stan retrucou e disse que queria treinar com gente boa e não com qualquer um. 
O mestre Nakayama dizia que aquele treino era para profissionais, para instrutores da JKA. 
Sensei Stan disse: Eu aguento qualquer coisa porque vou ser profissional, na sequência foi se trocar, e na cintura veio amarrado com a faixa verde. 
Espantoso mestre Nakayama perguntou que faixa era aquela. Foi quando Sensei Stan disse que era uma faixa de iniciante. 
Nakayama pediu que ele executasse alguns fundamentos como oi zuki, por exemplo, e foi notório que ele já se destacava pela qualidade técnica. 
Nakayama sensei perguntou qual Kata ele sabia. Sensei Stan só sabia o 4º Kata que era o kata ensinado no livro de Nishiyama. Nakayama o colocou para lutar com instrutores fortes da JKA, o sensei Stan perguntou a Nakayama como ele deveria lutar, pois até então, ele nunca havia lutado Kumite, pois em seu livro não haviam ensinamentos específicos sobre Kumite. 
Foi quando Nakayama disse que ele poderia lutar como briga de rua mesmo, porque ali todos estavam preparados para essa situação. Nakayama disse: Você pode tentar qualquer coisa com eles (japoneses). 
Foi colocado logo de cara o Sensei Shirai atual campeão japonês para lutar com sensei Stan, foi quando espantosamente com um ushiro gueri o sensei Stan nocauteou Shirai. Na sequência veio Sensei Enoeda que também sofreu bastante, o pessoal falava que ele era um gênio, e que isso não era possível. 
Passado um tempo Nakayama o nomeou como instrutor da JKA na África do sul, sensei Enoeda foi à África do sul para prepará-lo, e cerca de 1 ano depois foi agraciado logo de cara com o 3º DAN. 


Jefferson Oliveira: Vamos esquentar um pouco a conversa por aqui. Qual a sua visão sobre o Karate proposto por mestre Nakayama? E em sua opinião o que fez com que vários senseis da NKK logo após a sua morte desvincularem para formar a própria organização? 
Roberto Sant Anna: O sensei Nakayama sempre foi líder nato, ele falava mandarim e sempre foi uma pessoa muito inteligente por isso Sensei Funakoshi delegou a ele essa missão de liderar. 
Para mim o que mudou foi à atitude de treinamento, hoje no Japão por exemplo só vemos essa atitude em Dojos de Kendo ou Aikido, é difícil enxergar isso em outras modalidades. 
Essa atitude dos anos 70 anos 80, podia dizer que era ameaçadora, porque era perigoso treinar Karate nessa época, os mestres eram muito fortes, e os treinos com muitas repetições o que levava a exaustão. 
Hoje o Karate está mais Soft, hoje o pessoal pensa em treinar por exemplo e não sente mais aquele frio na barriga, começa pelos professores com aquele cronômetro pendurado no pescoço. Hoje penso por exemplo que não vemos como era antes, aquele treino duro e ostensivo. 
Sensei Nakayama morreu de repente, ele morreu em uma semana que estava acontecendo um gashuko internacional e tinham pessoas de todo mundo, ele fez uma reunião na noite anterior a sua morte e ele chamou os professores que participaram do Kenshusei ele chamou cada um dos instrutores individualmente, e começou a falar sobre as qualidades de cada um. Naquela noite ele faleceu. 
O Sensei Stan por exemplo, que também esteve lá na época, disse que imagina que Nakayama tivesse tido um tipo de premunição, porque ele se despediu de todos naquela noite. 
Sensei Nakayama não deixou alguém oficialmente para sucedê-lo, quem deveria ser seu sucessor,  penso eu deveria ser Kanazawa Sensei, porém o mesmo já havia se desvinculado da JKA para formar sua organização SKIF e que a essa altura já estava crescendo muito. 
Kanazawa conta em sua biografia que Nakayama o chamou para uma reunião que nunca ocorreu, imaginava-se que o assunto poderia ser a sucessão e o possível retorno, para possivelmente liderar a JKA no futuro. 
Após a morte de Nakayama, montou-se uma comissão técnica, e sensei Asai não aceitou isso e não participou dessa comissão técnica, foi quando se dividiu o dojo da JKA literalmente em 2 grupos: O primeiro liderado por Tanaka, Siguiura e Osaka o segundo grupo por Asai, Kagawa, Yahara. E na justiça ficou definido a saída de Asai que após formou sua própria organização. 


Jefferson Oliveira: Pensando historicamente, cite alguns mestres que influenciaram sensivelmente o Karate pelo Mundo, e mestres do cenário nacional em sua opinião. 
Roberto Sant Anna: Para mim Nakayama e Funakoshi foram os grandes mestres em nível mundial. 
Aqui no Brasil nos tempos grandes professores japoneses e acho que todos já conhecemos. 
Prefiro falar dos Brasileiros como: Ugo Arrigoni, Robson Maciel, Kazuo Nagamine, Ricardo D’Elia etc. Para mim essas pessoas são os responsáveis por manter o legado a eles passado, caso contrário correremos risco de no futuro termos só atletas. 
Acho que falta cultura, que se leia mais livros para ser um diferencial. Percebo que há falta reconhecimento para esses professores citados e na medida em que você começa a ler mais você se torna um responsável para que toda essa história não morra. 


Agradecimento 

Gostaria de manifestar minha gratidão ao Sensei Roberto Sant Anna por compartilhar conosco essas grandes histórias, principalmente pelo fato de ser um grande estudiosos e historiador. 
Sucesso! Saúde! 


Jefferson Oliveira                                                                                                                              Professor de Educação Física e Estudante de Karate-do estilo Shotokan 
OSS! OSU! OSSU! 

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