Em relação à condição fisiológica existem relatos que contam que durante a prática do Karatê-do, o indivíduo potencializa o sistema de defesa do organismo através do treinamento, fato esse que pode ser observado ao longo de períodos decorrentes desse treinamento.
Autores defendem os efeitos benéficos provenientes do treinamento sistemático do Karatê-do para a saúde geral do indivíduo. Tais benefícios seriam observados após longos períodos de treinamento. Funakoshi relata:
“Em minha opinião, há três males que afligem o ser humano: as doenças que causam a febre, o mau funcionamento do sistema gastrintestinal e os ferimentos físicos. Quase que invariavelmente, a causa de uma deficiência está num estilo de vida não saudável, em hábitos irregulares e numa circulação imperfeita. ” (FUNAKOSHI, 1975, p.14).
Funakoshi (1975), claramente faz referência a esses males, demonstrando que um indivíduo considerado fraco, quando bem treinado fisicamente, pode repelir muitas doenças ou moléstias, e com o fortalecimento das estruturas musculoesqueléticas é possível também evitar os ferimentos físicos, como fraturas, lesões musculares e articulares.
É importante falar que Funakoshi, quando criança, era considerado muito frágil, e aconselhado por médicos, passou a praticar atividade física na modalidade que acabaria por desenvolver o Karatê-do. Por algum tempo seus pais pensaram que Funakoshi não viveria muito devido às enfermidades que constantemente contraía. Graças a sua atitude ativa, viveu muito, até os noventa anos de idade, considerado por seus discípulos um imortal.
Atualmente, é comum o indivíduo receber um estímulo para praticar artes marciais, principalmente através da mídia que, em geral, se preocupa em vender produtos para isso utilizam como exemplo indivíduos capazes de realizar feitos, demonstrações e/ou espetáculos de força e vigor físico. Esse fato causa um efeito de ilusão e manipula as pessoas, a ponto de acreditarem que se treinarem o Karatê-do, entre outras artes marciais se tornaram invulneráveis, o que se constitui numa mentira. Persuadido, o iniciante percebe rapidamente que nenhum ser humano seria capaz de atingir tal estado, e que isso nada tem a ver com o verdadeiro objetivo do Karatê-do.
Alguns continuam com o treinamento, vivenciam experiências que se tornarão marcantes, trilhando um caminho repleto de desafios seguidos de conquistas. Ao vivenciarem tais experiências de sucesso, os praticantes se rendem à arte do Karatê-do, por vezes se dedicando integralmente ao processo de ensino-aprendizagem. Por essa prática ser demasiadamente espiritual pode ser considerado por muitos praticantes como religião, tamanha é a devoção.
Até a natureza pode se tornar a inspiração, onde o indivíduo procura um lugar de paz e tranquilidade para aprimorar suas técnicas. Mesmo na observação dos animais é possível aprimorar as técnicas de postura defensiva e ofensiva.
“O treinamento dia e noite, inverno após inverno, aperfeiçoa o espírito do guerreiro no caminho da espada. O samurai treina exaustivamente por que não se compara a ninguém apenas com o melhor de si mesmo. Esse é o seu método de treinamento. ” (WAGNER CUNHA, 1963, p.13).
Na observação dos animais é possível aprimorar as técnicas de postura defensiva e ofensiva. Ao iniciar o treinamento, o indivíduo, normalmente vai à busca do domínio dessa arte marcial. Para isso, existem os mestres e professores de Karatê-do. No estilo shotokan existem inúmeros testes e exames para determinar a evolução de um praticante. Mesmo que se domine determinada técnica, é necessário constantemente o treinamento dessa técnica. Não existe um final, existe sim o propósito de aprender o significado, e codificá-lo em nosso cérebro, portanto, a perfeição não é algo alcançável é sim desejável, o que motiva essa prática.
Um atleta pode muitas vezes, dominar uma técnica, entretanto mesmo que se empenhe por toda a vida, jamais será capaz de dominar todas as técnicas. E, na medida em que evoluímos, e os anos se passam novos praticantes surgem, adquirindo maior acervo de conhecimento, para se tornar um mestre de Karatê-do são necessários muito mais que eficiência motora, existe sim a obrigação de se tornar um exemplo de vida e de superação.
“Há uma grande diferença entre a habilidade de executar golpes e a habilidade de ensinar. E ninguém deve ser considerado apto a ensinar apenas por ter habilidade em competir. O detentor de faixa-preta, nem sempre é um bom pedagogo. ” (TEGNER, 1966, p.32).
Tegner (1966) comenta sobre a falta de preparação dos professores de Karatê-do. Hoje em dia, muitos jovens treinam com um único objetivo, a performance; para isso se entregam ao treinamento como se fossem robôs. Um praticante que domine todas as qualidades físicas, cognitivas e até afetivas, poderá se tornar um faixa-preta em até cinco anos, se esse for seu objetivo, ou poderá se tornar um sábio capaz de entender todos os códigos de honra, que mesmo depois de centenas de anos ainda são necessários para praticar durante sua vida, elevando a seu modo de vida.
Através da análise desses dois magníficos mestres: Funakoshi e Nakayama. É provável que o objetivo deles era além de obter o título de faixa-preta, e que, ao longo dos anos, por seu espírito de humildade, suas faixas tornar-se-ão brancas novamente, devido a tanta experiência e dedicação.
“O guerreiro deveria se esforçar em ser o mesmo na aparência, não obstante o que ele estivesse fazendo ou o que estivesse vestindo. Quer ele esteja simplesmente indo para o seu dia a dia ou indo para a guerra encarando a morte, ele deve ser o mesmo e agir igual confiante, calmo e preparado para agir, e completamente alerta internamente. ” (HASSEL, 1983, p.19).
O Karatê-do surge derivado da necessidade de proliferar aqueles preceitos e crenças nas quais os samurais tanto acreditavam, e em uma época de grandes reformas políticas.
O Karateca na atualidade deve compreender bem as frases expressas no dojo-kun, o lema que os karatecas seguem veementemente. O mestre Nakayama demonstra uma preocupação nesta frase:
“Decidir quem é o vencedor e quem é o vencido não é o seu objetivo principal. O Karate-do é uma arte marcial para o desenvolvimento do caráter através do treinamento, para que o karateca possa superar quaisquer obstáculos, palpáveis ou não. ” (NAKAYAMA, 1977, p.11).
Segundo (Darido 2005) sobre as dimensões do conhecimento traça-se um paralelo ao analisar as lutas; a dimensão conceitual o karateca deve aprender e compreender os aspectos: fisiológicos, filosóficos, intelectuais e emocionais.
A dimensão procedimental: compreender as regras das disputas desportivas, cultivar atitude autônoma, despertar em si mesmo a responsabilidade de se tornar um exemplo de superação. E em relação a dimensão atitudinal: saber os seus limites físicos em relação ao treinamento, ser capaz de contribuir para a formação das pessoas, ser capaz de resolver os problemas cotidianos, e o primordial ser feliz.
Jefferson Oliveira
Professor de Educação Física e estudante Karate-do Shotokan
OSU!
Texto revisado em 31.01.2017
Referências Bibliográficas
CUNHA, W. O samurai. A busca da iluminação pelo caminho da espada. São Paulo. Masdras. (1963). 277 p.
DARIDO. S.C. Educação Física no Ensino Superior. Educação Física na Escola Implicações para a Prática Pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.(2005). 293 p.
FUNAKOSHI, G. Karate-do. O meu modo de Vida. São Paulo. Cultrix. (1975).132 pag.
HASSEL, R.G. Conversations with the master: Masatoshi Nakayama. St. Louis: Palmerston & Reed Publishing Company.(1983). 245 p.
NAKAYAMA, M. O melhor do Karatê: kumite 1. Vol 3. São Paulo. Cultrix. (1977). 147 p.
TEGNER, B. Guia completo de Karate. Rio de Janeiro. Record (1966). 297 p.
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