quinta-feira, 20 de novembro de 2025

UMA EXPERIÊNCIA COM UM ESTILO DE KARATE DE OKINAWA E ENTREVISTA COM O MESTRE TAKESHI MIYAGI


Olá, Karatecas,

Este mês quero deixar aqui registrado, uma nova experiencia que vivi ao treinar um outro estilo de Karate: o Shorin Ryu, é um estilo diferente daquele que sou praticante.

Para um melhor entendimento sobre essa matéria, falarei brevemente sobre mim:

Sou faixa preta de Karate, 1º Dan no estilo Shotokan, e tenho como meta experimentar outras formas de Karate, e pelo fato de conhecer muitos professores, por vezes tenho algumas oportunidades de conhecer Karatecas de diferentes estilos.

Dias atrás pude viver uma tarde inesquecível

A convite de um grande amigo, é desses que dá prazer em chamar de irmão, eu falo do Sensei: Marcio Santos, 7º Dan da escola Okinawa Shorin Ryu Karate-do Shidokan Tokio, vale falar que é uma escola que traz a tradição do Karate originário da Ilha de Okinawa, e atualmente está em Tóquio no Japão, através da liderança do Mestre: Takeshi Miyagi 9º Dan. E é sobre eles que quero falar inicialmente.

Ao começar pela forma de tratamento pessoal, ambos não costumam carregar o título de mestre, como diz o Sensei Marcio: Sensei já está bom.

Tanto ele quanto o próprio Mestre Takeshi Miyagi, sentem-se mais à vontade com o tratamento de Sensei.

Em um meio onde o ego pode aflorar mais, em que muitas das pessoas trazem para si, os títulos de: Sensei, Shihan, Mestre, Grão mestre, existem essas sublimes pessoas que apenas pensam no seu papel fundamental, que é ser um bom professor, ensinando e educando, ao buscar o melhor nas pessoas, e fazê-las crescer em humanidade.

E ter uma aula de Shorin Ryu direto com o mestre Takeshi Miyagi, ao lado de outro professor o mestre Marcio Santos, como iguais, embora eu estivesse vestindo a faixa branca novamente em incondicional sinal de respeito, aos mestres e ao Karate, e com orgulho e o entusiasmo de um aprendiz.

Isso me fez ver que o Karate sem a humildade não serve para absolutamente nada.

O Mestre Takeshi Miyagi, é um senhor com a idade já avançada, aos 79 anos, transmite uma paz e tranquilidade que se pode ver nitidamente em sua expressão serena e de respiração calma, que parece fazer o tempo parar.

O seu sorriso é espontâneo, ao mesmo tempo com um olhar misterioso, sem revelar ou deixar notar qualquer tipo de fragilidade, ao contrário com uma força surpreendente, que ainda não tinha visto em Karateca nessa idade.

Me surpreende quando pergunta do estilo Shotokan, que foi sobre as bases altas do mestre Gichin Funakoshi mostrada na literatura. Base essa que era mais alta quando o mestre Funakoshi sai de Okinawa, e bem diferente daquela que se vê hoje nos estudantes desse estilo no Japão e em escala global.

Ele que por alguns minutos colocou-se como um telespectador, conversando em alto nível comigo. E logo comigo, um faixa-preta iniciante. Uma honra.

Ele estava ali como olhar compenetrado querendo entender as formas do Shotokan, querendo saber sobre o aspecto marcial e esportivo da escola em que faço parte, a: Nihon Karate Kyokai JKA.

Ali eu percebi que na minha frente estava de verdade um mestre naquilo vive, o que faz, é ensinar Karate, sem se preocupar com o Karategi, sem demasiada formalidade, um ser humano comum que diz:

-O Karategi não importa, a faixa representa sim a maturidade na arte, muito mais o seu interior, o seu conhecimento.

Meu ensinou um pouco do seu Kata, e pontos de pressão para a defesa pessoal. algo que me surpreendeu, com simples toque no osso esterno, me fez imaginar como aquele soco de ½ polegada, algo que dói mesmo após alguns dias dessa demonstração.

Ele me disse que se empregasse maior energia poderia parar o coração de um homem, pude sentir isso. Ele só queria me mostrar o quão forte pode ser o Karate quando compreendido plenamente as suas técnicas.
Mestre Takeshi Miyagi ensinado um Kata Shorin Ryu

Tive uma aula de Karate quase que privada, uma imersão nas raízes históricas de Okinawa, sem sair do Brasil. Um grande presente.

Eu chego ao mestre, e pergunto: Como é respiração ao praticar o Karate Shorin Ryu?

Ele responde com muito bom humor, sorrindo: Treina, treina.

Em seguida com um ato de bondade, aproxima minha mão do seu abdômen e mostra um tipo de respiração bem peculiar, uma respiração serena, então ele me disse que precisamos poupar energia ao praticar, e parecia como se ele armazenasse ali o oxigênio, algo misterioso.

As vezes alguns praticantes iludem-se com a conquista de uma faixa preta, achando que chegaram ao ponto mais alto dentro do Karate, nada disso, a faixa preta é o começo de uma fase autocritica do Karate que praticamos, e que observamos.

Como uma gratidão enorme trago essa entrevista mais que especial


CONVIDADO: MESTRE TAKESHI MIYAGI - 9º Dan Okinawa Karate Shorin Ryu Shidokan

Sensei Marcio a esquerda, Mestre Miyagi ao centro e Jefferson a direita 

1- Sensei, gostaria de saber como o senhor iniciou a prática do Karate e o que o motivou?

Em Okinawa, quando eu era criança, pude notar que havia vários lugares que ensinavam Karate Goju Ryu e Shorin Ryu, era perto de onde eu morava, acho que tinha cerca de 10 anos de idade. No início foi mais por curiosidade, eu comecei a praticar. Nesse tempo o Karate era mais reservado praticado em casas com pequenos grupos.


2 - Como o senhor conheceu o Mestre Katsuya Miyahira?

Meu pai era da polícia em Okinawa e o Sensei Miyahira trabalha com ele, meu pai era uma patente ou função acima, não sei explicar bem, como um cargo superior à do Sensei, meu pai também praticava Karate, meu pai me apresentou o Sensei, aí passei a conhecer mais sobre o Karate. Eu era bem jovem tinha entre 16 e 17 anos.

Eu treinava desde criança, no início era mais por curiosidade, não era tão firme a prática.
Aos 19 anos vou para Argentina já como professor de Karate, e por lá sigo ensinando por 40 anos, naquele país, acho que o ano era 1965, por coincidência período da guerra do Vietnã


3 - Sensei, alguns Karatecas valorizam muito a genealogia, essa questão da passagem do conhecimento, imagino o objetivo seja preservar os ensinamentos e a forma que as técnicas foram concebidas. Fale um pouco sobre isso para nós.

Sobre a genealogia, o mais importante está dentro da prática, é para encontrar com a técnica. Entendo ser mais saboroso, e vai entrando mais facil em meu corpo.


4 - Na sua opinião o que aconteceu para que fossem criados tantos estilos o Karate, modificando assim aquele Karate originário de Okinawa? E quais as principais características de sua escola (estilo)?

E muito importante compreender o que é original, entre Itosu Sensei e Chibana sensei já podia-se diferenciar, é difícil entender o que é original, entre os praticantes mesmo já não era mais totalmente original.

No caso de Chibana Sensei e Itosu sensei já conheciam bem os movimentos. Então pode-se dizer que conforme a prática, vai-se investigando e estudando e por consequência aprendendo, as técnicas vão evoluindo, assim se formam novas ideias.

O Karate original é o que se aprendeu em Okinawa, mas quanto sai para fora é preciso investigar o indivíduo, o que sente, e seu pensamento, quando sai de Okinawa já não é mais igual.

Um exemplo: é o próprio estilo Shotokan que vai mudando muito, logo é diferente do original, se torna diferente, o próprio sensei muda.

Cada aluno Shorin Ryu é diferente, mesmo aluno do próprio Sensei Miyahira são diferentes. O pensamento e até mesmo pelas características físicas. Não muda tanto a forma, mais cada ideia, reformando o que está ligado a ideia (pensamento), vai deformando, penso que mudando para pior.

As características do estilo Shorin Ryu é com base na velocidade e o equilíbrio. Busca-se aprender de dentro para fora, justamente buscando manter esse equilíbrio, por isso sempre gostei tanto, não é tanto o uso da força.


5 - Sensei o Senhor viveu em uma época do pós-guerra, lá em Okinawa, havia muita repressão a prática do Karate?

Quando era criança não sentia tanta, tanta pressão que é falado, praticávamos em casas, eram pequenos grupos.


6 - Quais as características mais marcantes o senhor observa que se diferencia em relação ao Karate de Okinawa, comparado ao Karate praticado atualmente dentro dos Dojos pelo mundo?

Entendo que cada pessoa é diferente. na prática também, o pensamento também. É muito diferente, mesmo um aluno sendo do mesmo professor o pensamento é diferente, e a técnica também muda. Não se pode conter a técnica do sensei. E é possível interpretar o que um sensei falou de diferentes formas. As pessoas têm características diferentes.


7 - Vimos que o senhor confiou ao amigo Sensei Marcio Santos a tarefa de continuidade desse Karate. Conte-nos como conheceu o Sensei Marcio, e o que o levou a confiar essa missão a ele aqui no Brasil?

Tem que ter uma confiança, e tem que ter fé, entendo que há diferenças, afinal ele é brasileiro eu sou japonês há diferenças, por isso a importância de ter a fé.

Uma coisa que vejo é o coração que ele tem, o seu interior. Penso que essa formação é mais superior do que só a técnica.

Coração e espírito na frente da técnica


8 - Sensei como o senhor vê o aspecto esportivo em nossa arte marcial, falando abertamente sobre prós e contras?

Claro é uma opinião minha, não é que sou contra ou a favor, é necessário para divulgar e difundir. As vezes deve ter o esporte, mas também pode dar errado, abrir demais. Isso é um problema mundialmente, e pode ser destrutivo para a arte marcial.

Às vezes é só uma questão de saber diferenciar onde se está. Pode ser difícil entender. Em Okinawa mesmo tem sido feitos torneios, derivados por exemplos de estilos modernos de Karate. Entendo que sabem como fazer, pois tem anos de experiencia, entendo que estou falando de algo que não é para mim


9 - O Senhor poderia deixar uma mensagem aos praticantes, seja um conselho, ou mesmo uma mensagem para todos nós.

Há o lado esportivo, há de saber diferenciar da arte marcial, que se escolha um caminho, siga em frente naquilo que você gosta, o caminho (DO) é uma coisa que cada um vai encontrar. Pois cada um tem o pensamento e o coração diferente. Repetindo e repetindo você vai sentir a satisfação. E que essa satisfação seja por estar constantemente praticando, e com o passar dos anos vai entendendo o caminho (DO) que se deve seguir.
Peço que siga na prática e que não desista. Siga firme!


CONCLUSÃO 

Poupe suas energias tentando comprovar que o seu estilo de Karate é melhor ou mais eficiente, pois não é o estilo que faz o lutador, e sim o lutador que desenvolve uma forma peculiar, e o tempo de pratica quando bem aproveitado lhe tornara mais astuto ou mais proficiente dentro de sua arte marcial.

Com essa experiência fui capaz de observar um tipo de Karate em sua forma ancestral daquele que pratico hoje, totalmente preservado, um Karate forte, puramente marcial.

Foi como se eu estivesse em Okinawa, por alguns momentos, na simplicidade daquele homem, o mestre na essência, na humildade, que fere contundentemente qualquer ego exacerbado, apenas como sua forma de andar de se vestir. De uma forma simples foi capaz de mostrar o seu Karate, como muito respeito e com gratidão estampada no rosto, foi bondoso ao compartilhar esses momentos conosco.   

Foi especial vestir a faixa branca novamente, experimentei novas formas, e como disse no final de tudo, por mim ficaria ali mesmo por horas, reforçando uma ideia que tenho. 

Ser karateca como ter um copo vazio e uma sede que não cessa. 


AGRADECIMENTOS

Obrigado ao Sensei Márcio que proporcionou essa experiência, juntamente agradecer seu filho Leonardo que um faixa preta do Dojo, ao mestre Takeshi Miyagi, e a todos os meus professores que me ajudaram a chegar a esse momento, pois sem passar pela faixa branca, jamais seria capaz de compreender seu real significado.

Muito Obrigado!     

By Jefferson Oliveira 

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